O papel do financiamento privado no apoio ao uso sustentável da terra
Por Andreia Bonzo Azevedo e Katerina Trostmann*
O mais recente relatório do IPCC mostra que os impactos da mudança climática se tornarão mais severos se não reduzirmos pela metade as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) ainda nesta década e se não ampliarmos imediatamente a nossa adaptação a eles. Essa urgência, porém, traz oportunidades de harmonizar a agenda de desenvolvimento sustentável com uma agricultura regenerativa, eficiente, justa e de zero conversão de áreas florestadas.
O papel do financiamento privado é fundamental para essa transição. Segundo a Glasgow Financial Alliance for Net Zero (GFANZ), aliança global de instituições financeiras, US$ 32 trilhões de investimentos serão necessários até 2030 para transformar a economia global e evitar os piores impactos da mudança do clima.
No Brasil, são muitos os caminhos para fazer essa transição acontecer. Por exemplo, a NDC brasileira estabelece a meta de restaurar 12 milhões de hectares até 2030, o que envolve transformar paisagens, restaurar ecossistemas e investir na economia da restauração florestal. São atividades que podem gerar benefícios relacionados a biodiversidade, segurança hídrica, empregos e novas cadeias sustentáveis, e que podem aumentar a produtividade agrícola em até quatro vezes.
Essa transformação do setor agropecuário precisará ser financiada. De acordo com a OCDE, o financiamento privado representou 18,5% do total de US$ 78,9 bilhões em financiamento climático mobilizado entre 2013 e 2018. E, de 2016 a 2018, somente 3% do financiamento privado mobilizado foram para agricultura e silvicultura.
Além das oportunidades de blended finance, que consiste em um modelo que combina recursos de fontes privadas, sociais e públicas para financiar ações com impactos climáticos e sociais, novos instrumentos podem ajudar a ampliar a participação do financiamento privado. Entre eles estão os títulos atrelados à sustentabilidade (SLBs, ou sustainability linked bonds), que estão ganhando espaço na América Latina. Em fevereiro de 2022, os SLBs representaram 21% de todas as transações cumulativas de ESG na região.
Neste instrumento, o tomador compromete-se, no momento da estruturação da operação, a cumprir uma série de objetivos para melhorar o desempenho de sustentabilidade do seu negócio. Isso envolve o estabelecimento de metas de sustentabilidade, a partir de indicadores-chave de desempenho, e a realização de monitoramento e análise de relatórios de métricas de sustentabilidade. As características financeiras da operação podem variar segundo o cumprimento das metas de desempenho pré-definidas.
No Brasil, o banco BNP Paribas foi um dos líderes na estruturação do primeiro título vinculado à sustentabilidade das Américas e o primeiro do mundo a seguir os recém-criados Sustainability Linked Bond Principles, emissão realizada pela a Suzano. Essa transação foi estruturada de forma vinculada à meta da companhia de reduzir a intensidade de suas emissões próprias em 15% até 2030.
Além dos SLBs, outros instrumentos, como CRAs e Debentures de Infraestrutura, bem como demais títulos e empréstimos verdes também podem ser alavancados para acelerar a ação climática das empresas do setor da agropecuária, ajudando-as a impulsionarem suas agendas de sustentabilidade.
O desafio é fomentar métodos efetivos de controle e concessão de crédito de modo a mitigar o – não raro – greenwashing e a própria dificuldade de visibilidade e transparência das cadeias produtivas.
Para isso, o mercado, sobretudo as instituições financeiras, via financiamento privado bilateral ou emissões no mercado de capitais, podem usar seu poder de indução de comportamento, incorporando, a exemplo do que ambicionam os SLBs, políticas de elegibilidade de concessão de crédito que viabilizem e condicionem a implementação de instrumentos vitais à efetiva concretização de meios de produção sustentáveis, voltados à redução de emissões de gases do efeito estufa.
Dentre os requisitos essenciais estão o condicionamento à rastreabilidade dos produtos das cadeias produtivas financiadas (de modo que o próprio financiamento viabilize a inovação necessária para tanto), transparência e meios efetivos de monitoramento de compliance antes e durante a concessão do crédito.
O financiamento para a agenda de clima, florestas e agricultura está evoluindo. Como mais de 70% das emissões de gases efeito estufa brasileira provêm de atividades relacionadas ao uso do solo, estas estão bem posicionadas para acessarem mecanismos inovadores de financiamento, desde que pautadas em inovação, visando a comprovada eficiência e sustentabilidade socioambiental dos meios de produção.
Como colocado até aqui, novos instrumentos, como SLBs, títulos verdes e empréstimos verdes focados no setor privado estão surgindo para acelerar a transição para o zero carbono. Tal transição deve acontecer de forma atenta à vocação produtiva local, regional e nacional, de modo que produtores, implementadores de políticas públicas e mercado tomem decisões estratégicas e rentáveis, considerando todo o potencial nacional de geração de renda pautada na bioeconomia, nas soluções baseadas na natureza e nos serviços ambientais, além de maior eficiência das produções já existentes e do registro, fomento e valorização do conhecimento no território brasileiro.
A urgência da mudança exige ações transformadoras além do incremental, e o potencial do capital privado é grande: para alcançar um mundo carbono zero até 2050, o papel de instituições financeiras é chave, podendo aportar até 70% do total do financiamento necessário.
*Andreia Bonzo Azevedo é diretora adjunta de Climate & Security Program do Instituto Igarapé e colíder do Fórum de Diálogo Políticas Públicas e Instrumentos Econômicos da Coalizão Brasil.
Katerina Trostmann é vice-presidente e head de ESG & Sustentabilidade no BNP Paribas Brasil e membro da Coalizão Brasil.